Viagens na maionese: memórias de uma vida em transformação um mergulho profundo nas experiências que moldaram minha vida.
sábado, agosto 22, 2015
editora expressão
segunda-feira, fevereiro 20, 2012
SOBREVIVI
Quando criei este blog, pensei que não havia retorno pra mim. Apenas quem viveu o que vivi pode afirmar com certeza: quem tem, tem medo sim! A intenção era compartilhar experiências reais, algumas tão surreais que pareciam "viagens", narradas para aqueles que viriam depois de mim.
Entretanto, ao descobrir que minha vida continuaria, interrompi as publicações para preservar minha imagem da saga de "Jesus me disse". Guardo relatos para compartilhar com amigos, ex-amigos e aqueles que planejo reencontrar, buscando perdão e evitar ferir qualquer ser novamente. Pessoas que contribuíram para minha jornada terrena, como a trama da Tv Cabo, o cachimbo do Acari Amorim, Zuba Coutinho da revista Expressão, Olivio Lamas, Carlão do JB e o Presidente Collor, Ademar Bem Jonhson, Zé Netto do DC, Gerson Schirmer no Canto da Lagoa, Eduardo Paredes, numa viagem com Jesus na Lagoa, Marco Cezar da Mural, Delegado Eloy, entre outros grandes amigos.
Quem sabe, talvez uma nova fase mais animada esteja por vir.
25/10/2005
Ilha das Flores
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segunda-feira, janeiro 01, 2007
Guerra no Rio Guaíba.
O lago da Redenção já era pequeno demais para minhas aventuras náuticas, e, além disto, descobri que o seu Zé alugava barcos no rio Guaíba sem nenhuma exigência, então passei olhar as ilhas em frente do bairro Alto da Bronze como terras a serem conquistadas. Só tinha um problema... O dinheiro para o aluguel do barco ali era bem mais caro que os da Redenção.
Eu estava decidido a embarcar numa aventura até a ilha mais próxima e para isto comecei uma pesquisa no Colégio Paula Soares onde estudava, na 4º serie. Foquei um guri que poderia financiar esta empreitada. Notava que ele sempre andava com um bom corte de cabelos, boas roupas e um sorriso que ele não tirava do rosto nem mesmo brabo, via também que as professoras lhe dedicavam total atenção e às vezes ele era buscado de automóvel no colégio. No colégio nós éramos amigos, mas só no colégio. Nunca via ele na rua ou na pracinha com alguma turma de guris, mas ele tinha uma cara boa de gente legal e foi por isto que o convidei para esta primeira aventura, uma conquista da ilha pequena e ele topou na hora. Só tinha um problema: ele era de uma espécie de guri rico e bem cuidado. Depois vim saber que ele era mesmo. Filho único no meio de cinco irmãs mais duas mães. Eu ainda não sabia que as pessoas se separavam. Ele foi o primeiro guri que conheci filho de pais separados. Para começar eu teria que ir até sua casa pedir permissão para seus pais - coisa estranha, eu saia à hora que queria depois das aulas e meus amigos também, imaginava que todo mundo era assim como eu.
Fui interrogado pela sua madrasta durante vários minutos, ela fazia questão de me mostrar o quanto valia aquele guri e isto quase me fez desistir da aventura no rio e ir com aquele príncipe (cara ele tinha) pra redenção.
Eu falei:
- Eu me responsabilizo por qualquer coisa que poderá vir a acontecer com ele.
Ela então falou:
- Quer dizer se acontecer do André (Jockyman, filho do Sérgio, um dos maiores e melhor jornalista que já conheci) morrer, você vai me dar um outro André?
Aí me dei conta da enorme responsabilidade, pensei:
“Puta que pariu... que fria estão me metendo”.
Depois de meia hora de recomendações, para a minha surpresa e angústia, ela concordou. Agora era eu que não mais queria ir ao rio e sim remar no lago da redenção, mas o André e o meu irmão não quiseram aceitar as mudanças de planos. Já de cara comecei a me preocupar para atravessar as ruas quase pegando ele pelas mãos que ele soltava querendo mostrar rebeldia. Logo eu, que nunca me preocupava com nada até este dia.
Ele e meu irmão iam correndo na frente como cachorrinhos de apartamentos e eu atrás com o coração na mão:
- Cuidado com o bonde, olha os carros, meu Deus!
Notei quando estávamos chegando ao velho Zé que a turma da Rua Demetrio Ribeiro tinha seu próprio barco, e todos estavam soltando rojões na água e fazendo uma enorme algazarra, alguns mergulhando e dando caldinho nos guris menores e os outros em pé dentro do barco mostravam destreza e velocidade no remo.
O André sentou na proa e meu irmão na popa enquanto eu sentei no meio, no lugar dos remos sob protestos dos dois.
Eu já tínha remado um quinhetos metros da margem e vi que entrava água pelas frestas mal calafetadas do barco e por isto já tinha duas latinhas estrategicamente posicionadas para ir tirando a água de dentro. Isto achei normal.
Então... vi a turma da Demetrio Ribeiro se aproximar velozmente em nossa direção, atirando rojões às gargalhadas. Foi quando um dos rojões caiu dentro do nosso barco fazendo ele se estremecer todo, quase rachando suas tabuas velhas e frágeis.
Reconheci o alemão Edson, seu irmão Lauro, o Cadico, e o “traidor” Martelinho, morador da Rua Fernando Machado que estava nos remos rindo e fazendo a maior força. Eu ameacei de quebrar suas caras se eles continuassem. Ai mesmo que eles riam mais e jogavam mais rojões. Pedi que meus marujos:
- Tirem à água do barco, tirem à água...
A água já estava tapando nossos pés e isso me deixava aflito: o que fazer se o barco afundasse com aquele principe dentro dele? Eu daria outro André à madrasta? O suor escorria no meu rosto naquela tensão da guerra de barcos, que mais parecia um filme de piratas com canhões e espadas. Enquanto os piratas liderados por alemão Edson com sua cara de mal e um dente de ouro exposto pelo sorriso cínico, bombardeavam meu navio. E eu dizia: "Continuem tirando a água!", mais aflito do que nunca. Foi então que decidi lutar de frente para proteger o principe André. Me levantei e peguei o meu remo-espada, que serviu para que eu rebatesse as fortes e pesadas balas de canhão. Rebati uma, duas, três, até que o capitão pirata deixasse de sorrir. Mas mesmo com uma pequena vantagem, meu navio era muito fraco e a água, apesar do empenho de meus marujos, já estava nas nossas canelas. Olhei para margem e vi o velho Zé que vinha gritando e remando em nossa defesa da guerra. Os meus tripulantes estavam paralisados de medo, mas, mesmo assim, o André continuava com seu sorriso de Curinga. Foi então que, felizmente, percebemos que a correnteza estava à nosso favor. Percebi que o navio pirata deles estava ficando de lado para o nosso. Apesar de ser mais fraco, o meu navio era maior que o deles e, com isso, empurramos com toda a força o nosso contra o deles. O gigantesco navio pirata vacilou na água, e, logo depois, virou, para nossa felicidade e desespero da turma da Demetrio Ribeiro, que ficaram agarrados ao navio e assustados com os corpos dentro do rio.
Logo me dispersei da minha "viagem" de filme e, aliviado, vi que meus tripulantes marujos estavam salvos. Foi aí que eu vi o velho Zé, que chegou ralhando com eles. Fomos rebocados pelo barco do velho, já que o nosso ficou à deriva com água que já cobria nossas canelas, mas contentes e felizes como todos os vencedores.
Anos depois nos encontramos por acaso, na combatente e vibrante sucursal do Jornal O Globo, no 2º andar do edifício do Relógio na Rua da Praia. Lá trabalhamos juntos por vários anos, eu como representante do Dr. Roberto Marinho, ele na redação e o Zezinho, meu irmão, como motorista e distribuidor do jornal em Porto Alegre.
quinta-feira, dezembro 14, 2006
Doca das Frutas.
Um dia um outro morador um negão forte pra cacete, completamente bêbado se aproximou do velho Zé e deu um violento soco em sua cara. O velho Zé, antes de cair no chão, sacou rapidamente a faca da cintura e num golpe de cima para baixo abriu o peito forte do negão que ficou surpreso com a velocidade do golpe. A coisa mais feia que já tinha visto até aquele dia. O agressor arquejando em pé com um enorme talho no peito que deixava ver seu coração batendo por traz das costelas, e ele com olhos arregalados com aquela reação do velho Zé que além de velhinho era também bem magrinho, mas ligeiro como um raio.
Antes das dragas começarem o aterro onde hoje é o colégio Parobé, a gurizada fazia uma vaquinha na pracinha da Bronze, e ia até as Docas das Frutas, onde os barcos ficavam atracados no porto em frente do Pão dos Pobres, vendendo todos os tipos de frutas que vinha das chácaras pelos lados da Serraria e de Belém Novo. Comprávamos meio cento de bergamota e voltávamos pela beira do rio descascando e colocando as casacas entre os dedos, jogando-as como bumerangues ou helicópteros. Era mais brincadeira do que vontade de comê-las.
Nesta mesma época das bergamotas, as vezes levávamos rojões e íamos jogando dentro do rio para ver espalhar água. Nossa prática era mais ou menos assim: acendíamos os rojões, contávamos até cinco e atirávamos na água.
Um dia o Alfeu errou nas contas e ele explodiu em sua mão, a mão do Alfeu ficou como estas luvas cirúrgicas quando se começa a encher. Parecia um balão. Me parece que ele quebrou vários dedos, não lembro bem...
Mas a história que quero contar mesmo foi da Guerra no Rio Guaíba, entre eu e mais dois contra a turma da Rua Demetrio Ribeiro...
Aguardem...
sexta-feira, dezembro 08, 2006
O Dedo duro.
sábado, outubro 21, 2006
GUARDA DE TRÂNSITO
- Estes cabeludos... todos maconheiros...
Um dia, encontrei perdido o apito do guarda noturno do Pioneiro. O guarda era o seu Albino, um velho e magro gauchão, ex-policial de trânsito que vivia com sua capa azul marinho de lã, cobrindo até os pés, um bigodão amarelado pelos palheiros fumados e um relho de nervo de pênis de cavalo na mão. Eu comecei a brincar com o apito como se fosse um guarda de trânsito, e, nesta mesma hora, passou um Jipe preto-e-branco (quero-quero) da Policia Civil e eu apitei para eles. Eles pararam e foi uma gargalhada geral, todo mundo riu, até quem não estava no grupo. A polícia nesta época era temida, caía sobre o Brasil neste ano nuvens escuras terríveis da Ditadura Militar. Continuamos brincando todos ali e quando menos esperávamos, eles surgiram: um veio a pé por trás e o outro chegou de Jipe com os faróis altos em nossa direção. Automaticamente joguei o apito no chão, eles chegaram com os revolveres na mão gritando e dando pontapés:
- Todo mundo com as mãos na parede, mãos na parede!!!
Enquanto um dava uma geral em todos encostados com as mãos na parede, o outro perguntava quem era o guarda de trânsito. Ninguém dizia nada. Éramos uns oito, com idades que variavam entre 13 e 16 anos. Eles falaram:
- Já que ninguém quer dizer quem estava apitando vai todo mundo preso!
Abriram a porta do camburão atrás e fomos entrando todos. Aí, os menores começaram chorar dizendo para os policiais: "Foi este aqui seu guarda, foi este aqui..." apontando pra mim. Eles ficaram putos e responderam:
- Já que não falaram quando perguntei agora vão todos em cana!
Foi a maior choradeira dos pequenos. Fomos levados presos para a famosa 8º delegacia, tida como torturadora. Sabia-se que o torturador era praticante de luta livre, o Jangada, um cara que pesava mais de 120 kg. Ele perguntou para os guardas que nós prenderam quem era o guarda de trânsito, sentado atrás de uma escrivaninha. Me empurraram para frente daquele monstro com uma cara de mau que me falou segurando uma palmatória:
- Bota este apito na boca e fica apitando até que eu bata nesta mesa para tu parar, se tu parar antes eu não vou bater na mesa, eu vou bater em ti!!! Vai, começa!!!
Magrinho... fui salvo por minha irmã, a Clara, que entrava na delegacia junto com um monte de mães e pais apavorados para nós tirarem de lá. Os guris menores choravam abraçados em seus pais... Depois de tudo explicado eles iam embora um de cada vez, a bomba sobrou pra mim que tomei o maior esculacho do Jangada, e fui o último a sair da delegacia.
domingo, agosto 20, 2006
Revolução Cubana: por Jorge Fischer Nunes
Nas aulas de tortura que os americanos sinistros vieram ministrar para o pessoal do DOI-CODI, numa espécie de “mestrado” da Policia do Exercito Brasileiro, uma das principais aulas era a aula-prática de choque.
Com medo de matar alguém acidentalmente, mandaram chamar o Fischer na prisão da Ilha das Pedras, já que ele era grande e forte, e, por isso, mais “resistente”. Ele me disse que os policiais deixaram-no nu, amarrado, deitado sobre uma mesa com braços e pernas abertos, num auditório de aula com todos os alunos torturadores sentados e concentrados, anotando cada detalhe que eles achavam mais importante. Então começou a demonstração: primeiro choque nas orelhas, depois nos mamilos e por ultimo nos testículos. Isto e muito mais ele contou em seu livro, “O Riso dos Torturados”.
Fischão, como também era conhecido pelos amigos, ria de tudo e gostava de contar causos de políticos safados, militares cagões, burgueses nojentos e revolucionários desbundados, como este, que ele me contou numa de uma de nossas “viagens”, o causo da Revolução Cubana.
Na libertação de Cuba do grande Império, os revolucionários não tinham muita experiência na lida de uma nação, já que a burguesia que detinha a mão-de-obra especializada (Industriais, comerciantes, médicos, jornalistas, cientistas, agrônomos etc.) fugiram como puderam do paredão para Miami.
No interior da ilha de Fidel, os revolucionários entraram numa fazenda de pesquisa de matrizes de animais valiosíssimos que acabaram de expropriarem.
Como tinham que assumir o controle da mesma e seguirem em frente, o capitão perguntou se alguém ali tinha conhecimento de fazenda de criação de gado. Quem mais conhecia era um sapateiro, que trabalhava com pedaços de couro, e, por isso, assumiu a administração da fazenda. Logo que assumiu, encontrou uma matriz de boi (valia bem mais do que 80 mil dólares), mastigando calmamente um pouco de palha especial, deitado sobre uma serragem de um pinheiro de cheiro perfumado, num establo com ar-condicionado, ambiente com luminação apropriada, água fresquinha e tratada, shampoo, óleos para massagem que tem um efeito estético. O boi fica com uma aparência melhor porque a massagem reduz as gorduras localizadas. Enfim, é cuidado com o maior mimo por equipe de várias pessoas.
domingo, agosto 06, 2006
Jesus Guerreiro de Jorge. >>>> 5º parte.
domingo, julho 30, 2006
Negro Argentino.
domingo, julho 23, 2006
Jesus encontra Jorge. >>>> 4º parte.
EU QUERO MINHA GRANA!
Jesus fica piscando como quem quer acordar e tenta buscar alguma lembrança, mas só tem flashes do dia anterior. Ele se vê como num filme mudo: o boteco do Português, Santamaría fazendo uma ameaça... mas não entende que ele diz. Vê também o Português o olhando sério, o Turcão , Chupeta tomando cachaça com caras de mortos como querendo ouvir o que ele tinha a dizer. A expressão dos capangas lhe fez lembrar sua mãe morta caída no chão, toda ensangüentada.
Ele tinha 5 anos quando seu pai deu mais de 10 facadas nela, mas Jesus não lembra muito bem quando aconteceu à tragédia. Ele foi acordado com gritos de seu pai procurando o trago de cachaça.
- Cadê minha cachaça, mulher? Tu tomou toda a pinga, filha da puta? Eu tenho certeza que quando fui dormir deixei ela aqui atrás da cama! Sempre faço isto! Já procurei por tudo e não encontrei!... Olha só o jeito que estou, filha da puta!!!”
- Eu não tomei nada, sua coisa ruim! Desmaiei antes de tu! Tu que tomou toda e agora não lembra!
O pai fica andando desesperadamente dentro do barraco, impaciente olhando por todos os lados.
- Tu acha que sou pirado pra beber toda pinga e não deixar nada pra manhã, sua merda! A garrafa ta aqui vazia, alguém tomou esta merda, e fui tu sua cadela velha... Eu quero minha cachaça agora!
Pega uma faca...
- Já procurei em tudo quanto foi canto lá fora, revirei o lixo, olhei dentro do carrinho, embaixo dos papelões e não encontrei nada, porra! Eu quero minha cachaça agora ou vou te quebrar toda de porrada! Sua fedorenta, porca do caralho!
– Vem se tu é homem, seu boca podre filho de uma puta, eu acabo contigo.
Ainda procurando a bebida e ignorando a mulher, ele dá um pontapé nos papelões que serviam de cama para Jesus que continuava fingindo dormir. Os papelões voam e Jesus acaba se chocando contra a parede. Aí sim ele começou chorar. Seu pai ficou ainda mais raivoso.
- Manda este merda de guri calar a boca! Vai ver foi este merda de guri quem bebeu a cachaça! Cheira a boca dele! Ele come e bebe tudo que encontra pela frente! - E partiu com a faca pra cima de Jesus. Quando sua mãe atravessou o caminho para protegê-lo, e recebeu a primeira estocada. Foram 18 ao todo: pelo peito, braços, pescoço e rosto. Jesus ficou quieto sem dar um pio embaixo de um monte de caixas de papelões desmontadas. Seu pai fugiu desesperado para tomar um trago, levando o carrinho e a faca.
A maloca do Jesus era feita de papelões, plástico e restos de madeira de obras com um bico de luz puxado de um gato. Com lixo, cachorros e ratos dividindo o mesmo espaço e comida. Quase sempre Jesus passava até oito horas dentro do carrinho de catar papeis e papelão. Lembra que as vezes era bem divertido, quando seus pais enchiam a cara e ficavam felizes. Eles empurravam o carrinho imitando o som de automóveis, e ficavam correndo entre carros, desviando de outros a toda velocidade e às gargalhadas. Jesus ficava dentro, em pé, tomando toda briza pela frente.
O nome Jesus lhe foi dado pelo policial que o encontrou naquela sujeira. Quando o policial entrou na maloca, ele pensou: “como alguém poderia morar nessa sujeira toda!... Jesus!” Exclamou ao ver o corpo da indigente. E Jesus saiu todo sujo, cabeludo e com sarna por quase todo corpo, debaixo de uma caixa de madeira. O policial se assustou pensando que fosse um cachorro. Quando chegaram à delegacia, o policial relatou que não foi encontrado nenhum documento de identidade, mas acha que o nome do guri é Jesus. Jesus da Silva.
Ele chegou no Abrigo de Menores, depois de passar por delegacias e outras formalidades. As assistentes sociais o levaram sem falar nada. Lembra que quando chegou lá, lhe rasparam a cabeça, deram um banho com sabonete com um cheiro que ele nunca tinha ainda sentido (produto desconhecido por ele), toalha limpa e pela primeira vez escovou os dentes, já quase todos cariados. Ganhou um par de sandálias de couro, bermuda marrom e uma camiseta pólo bege. Tomou uma xícara (linda) de café com leite, pão, manteiga e mel: esta foi, até hoje, a refeição que mais marcou a sua vida. Depois, deitou numa cama com lençóis limpinhos e ficou bem quietinho até dormir.
Jesus é cortado da viagem com um violento soco na cara que o faz cair. Sente de novo a realidade em todo o corpo: seu nariz e o olho esquerdo crescendo como estivesse adormecido, igual como quando se toma anestesia no dentista. Seu óculo ainda fica em seu pescoço seguro pela cordinha, agora quebrado no meio. O sangue do nariz e do supercílio escorre pelo seu rosto e o Santamaría sinistro, destravando uma pistola e mirando na cara de Jesus.
- Eu pago Santa! Eu pago! Eu vim te pagar juro! Olha o que vim te trazer...
Pega o saco de aniagem e tira de dentro a faca peixeira Bowie, uma faca bem antiga com cabo de dente de cachalote um tipo raro de marfim, toda de aço com uma ponta e fio incrível.
- Esta faca vale mais que 20 garrafas de cachaça. Eu ganhei de um pescador inglês.
Santamaría rápido tira a peixeira da mão de Jesus e, percebendo o grande negocio, diz:
- Ta legal, sogrão. Ta pago o que tu me devias. Agora vaza, vai, vaza daqui.
Jesus não sente humilhação pelo que aconteu, afinal “Eu mereci, eu tava devendo e tudo que esta acontecendo é por culpa daquele filho da puta do Marreta. Este sim é culpado por tudo, este sim arrebentou minha vida, meu trabalho, minha família, tudo.” Toma um gole forte de álcool com café e pensa como vai fazer agora que perdeu uma de suas melhores armas. Como ele faria agora que só resta um facão enferrujado e um pedaço de pau contra o exercito armado com metralhadoras AR15, pistolas Colt, até lançador de granadas?
Jesus pensa em começar a formar um exercito para combater o do Marreta.
Senta no degrau da capelinha com vista para cidade lá embaixo, e sente saudade do seu trabalho no Mercado Publico. Nisto se aproxima dele um vira-lata. Ele pega uma das lentes do óculo quebrado e observa o cachorrinho de uns 6 meses, branco com machas preta e marrom, tão magro que mostra todas as costelas. Vem com o rabo balançando com o corpo meio encolhido de lado cheio de medo para junto de Jesus. Jesus sorri e diz:
- Chegou meu primeiro guerreiro - diz acariciando a cabeça do cachorrinho - que será treinado por mim até que um dia esteja preparado para atacar a jugular do meu inimigo!
Jesus dorme ali e sonha que vê, uma luz incrivelmente brilhante dentro da capelinha, e vê quando Jorge salta com seu cavalo branco de dentro da grutinha. Desmonta elegantemente vestido com sua capa vermelha e sua armadura de cor prata e uma lança comprida na mão esquerda. Jesus em referencia põe um joelho no chão e inclina a cabeça ...
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