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sexta-feira, dezembro 12, 2025

A sociopata


Tão bonitinha, tão delicadinha, tão limpinha e tão loirinha. Suzane von Richthofen.

“Senta aí que eu vou contar a versão de Estevão.”, disse Jesus:

Eles eram quase crianças quando o amor aconteceu, desses que chegam antes de qualquer experiência, antes das cicatrizes do mundo. Ela, com seus 13 anos, e ele com 14 anos, apareceu um dia no prédio onde ele morava. Trazia nos braços uma pilha de roupas limpas, cheirando a sol e sabão de barra, passadas com capricho pela mãe, lavadeira. Era loirinha, com cabelos presos em “rabo de cavalo”, olhos azuis, um rosto que iluminava o corredor. Ele nunca soube dizer se foi destino, ingenuidade ou fome de afeto, mas ali, naquele encontro tímido, nasceu um amor que parecia para sempre.
A primeira paixão. A primeira namorada.

Por algum tempo, tudo foi doce como fruta madura. Mas a doçura também tem seu fim, e às vezes o amor envelhece antes mesmo de crescer. Um dia, no parque da Redenção, sem aviso, ela explodiu, um surto. Algo nela virou tempestade. Ficou vermelha como brasa, olhos acesos num ódio que ele nunca tinha visto. Partiu para cima dele com fúria inexplicável. Ele correu, envergonhado, enquanto ela atirava pedras para machucar. Depois serenou, como se nada tivesse acontecido.

Casaram-se, mesmo assim. Acreditavam que casamento cura feridas, que amor conserta almas. Foram morar no bairro Teresópolis. E com o tempo chegaram as brigas, muitas, quase todas, alimentadas pelo alcoolismo dele. Porque ninguém aguenta um homem chegando todos os dias em casa bêbado, falando um monte de merda, arrastando o peso das garrafas para dentro da sala. Ela não suportava, e muitas das agressões vinham exatamente nessas noites em que ele mal se sustentava em pé.
E ele sabia disso. Sabia que, embora ela tivesse a violência dentro dela desde muito antes, o álcool dele era gasolina no incêndio.

Houve um dia em que ela o arranhou, gritou como se quisesse que o mundo assistisse. Os vizinhos chamaram a polícia. Ele, machucado. Ela, intacta. Ele foi levado preso. Quem o libertou foi o cunhado advogado. Na delegacia ouviu dos policiais: “ela não tem nenhum arranhão”. E ele sangrava.

Ela carregava um ódio antigo. Ódio do pai, também alcoólatra. Muitas vezes o expulsava de casa sob chuva, empurrava para dormir com os cachorros. Cravava as unhas no rosto dele, cuspia-lhe na boca, nos olhos. E o pai ria. Era uma cena que ele nunca esqueceu.

De tanto apanhar, ele cansou. Mas mesmo cansado, continuou perdendo. Até um tiro ela lhe deu. Ele estava sentado no chão da sala, bêbado, assistindo a um Gre-Nal, quando ela entrou, apontou o revólver com as duas mãos, olhou para o lado e atirou. O tiro pegou no chão, perto do seu abdômen. A sala encheu de fumaça. Ela pegou os filhos e fugiu para a casa dos pais.
Sobreviveu, talvez porque Deus ainda não tinha desistido dele.

Separaram-se mais tarde, depois da segunda internação dele na clínica Pinel. Ele parou de beber. Prometeu a si mesmo que não voltaria a beber. Mas o amor, quando não morre, vira vício. Continuaram se encontrando apaixonadamente em motéis, como quem tenta reacender o fogo que só machuca. Eles se amavam e choravam de soluçar nus pela separação. Ele não sabia, ou não queria ver, que ela já dividia o coração com um médico ortopedista do Hospital pronto socorro da av. Assis Brasil.

Um dia, indo a um motel no Morro Santa Teresa, ela pediu que passassem na rua Silvério. “Quero ver a casa do pai de um aluno”, disse. Hoje ele sabe: era a casa do médico. Dois homens ocupando o mesmo lugar sem saber.

A última briga nasceu de ciúme, essa chama que devora a lucidez. Ele ia viajar para vender livros médicos para a Livraria Sul-Americana, passou antes na casa dos tios dela, em Canoas. Entre café e conversa, disseram que ela havia assumido o namoro com o médico. O fogo subiu nas veias dele.
Voltou correndo para Porto Alegre. Esperou. Quando ela chegou, não trocou palavra — pegou uma tesoura e veio para cima dele. Ele tomou a tesoura, ela arranhava, gritava. Ele correu para o carro. Ela pegou um paralelepípedo para quebrar o para-brisa. Ele segurou o pulso dela; a pedra era pesada. Nesse instante, ela machucou o dedo. Ele conseguiu entrar no carro e fugiu.

No dia seguinte, uma intimação na porta: 10ª DP, Vila Jardim.
Ao chegar, as pernas amoleceram. Ela estava toda enfaixada — braços, pernas, abdômen, cabeça, como quem sofrera um atropelamento. Ele sabia que o único ferimento era o dedo. Mas a imagem de uma mulher inteira enfaixada fala mais alto que a verdade. E os filhos, como olham para uma mãe assim? Que lembrança fica na alma de uma criança?

Depois entendeu. O médico — namorado malandro, caçador, dono de cães que mataram uma criança de 7 anos — era ortopedista no hospital onde ela foi atendida. Foi ele quem enfaixou tudo.
Na delegacia ela recusou fazer corpo de delito, recusou BO. O delegado mandou ele se manter a 500 metros dela e ir embora.
Ele era o vilão perfeito. Armaram. Ela entrou para o drama; o médico, para a vida dela.

E é isso.
Essa é a verdade que ele carrega.
Crua. Incômoda. Dele.

“Este conto ficcional integra a obra Jesus Me Disse.”


sexta-feira, maio 23, 2025

Um Mês com Outro Figado

 



Por Eloy


 Nunca pensei que, nessa idade, estaria dizendo isso: faz um mês que recebi um novo fígado. Um mês desde que abri os olhos depois da cirurgia e soube que tinha sobrevivido. Estava fisicamente muito bem antes da operação, mesmo com o hepatocarcinoma. Não sentia sintomas, andava, raciocinava, escrevia. Mas dentro de mim havia algo me ameaçando em silêncio.

A espera foi longa. Entrei no hospital com a coragem que me sobrou e a certeza de que meu caminho agora era só meu. Às vezes, o medo afasta as pessoas. Levei minha fé comigo e o apoio de um casal de filhos, meu genro e de minha companheira que permaneceram. Isso bastou.

Quando acordei da cirurgia, tudo era outro tempo. Os dias passavam lentos no hospital HU. Os remédios me deixavam confuso, fraco, nunca irritado. A dor era suportável, mas o cansaço era constante. Cada passo era um desafio. Cada banho, uma vitória. Mas eu estava ali. Vivo.

Lembro do barulho das máquinas, dos passos dos enfermeiros, das luzes frias da UTI. Às vezes me sentia uma ilha. Outras vezes, sorria sozinho, lembrando do cheiro do café, do céu azul, de uma boa gargalhada. Coisas pequenas que pareciam impossíveis há pouco tempo.

Agora, um mês depois, a cicatriz ainda arde. O corpo continua negociando com os medicamentos. Mas há algo novo em mim: um pedaço de outra vida que veio me dar mais tempo. E isso é sagrado.

Hoje não peço certezas. Não peço explicações. Só agradeço. Por este dia. Por cada manhã.

Por ainda poder escrever.




quinta-feira, março 13, 2025

Estado Alterado de Consciência


Desde que vocês desceram das árvores e começaram a andar sobre duas pernas, carregam uma inquietação na alma: a necessidade de alcançar um "estado alterado de consciência". Querem escapar dos limites da carne, do peso do tempo e da solidão de serem humanos em um universo que se recusa a revelar seus segredos.

Eu vi os primeiros Homo sapiens mastigando raízes alucinógenas sob a luz das fogueiras, dançando até o amanhecer para conversar com deuses invisíveis. Observei os xamãs beberem chás que rasgavam o véu do mundo, trazendo mensagens dos antepassados e dos espíritos da floresta. E vi algo ainda mais sombrio: o êxtase do sangue. No primitivismo, a consciência era alterada também pelo sacrifício no fogo — homens, mulheres, crianças e animais eram oferecidos aos deuses, numa entrega que mesclava terror e transcendência. Em meio a esses rituais, muitas vezes surgia o ópio como uma forma de anestesiar as dores da existência. O sofrimento e a morte se tornavam pontes para outra realidade, um transe violento onde o espírito se despregava do corpo e tocava o desconhecido.

Hoje, trocaram as cavernas por bares iluminados a néon; as ervas sagradas, por drinques amargos; os tambores ancestrais, por raves e playlists do Spotify. Já não imolam corpos nos altares, mas continuam a se destruir — de formas menos ritualizadas, mas igualmente desesperadas.

A modernidade lhes deu conforto, mas não respondeu ao vazio que lateja no peito. Então, seguem navegando em barcos furados: o álcool, a pior de todas as drogas, que queima a garganta como um falso abraço; o cigarro, que afoga em nuvens efêmeras; o sexo e a masturbação, que viram fuga em vez de encontro. Há quem roube não por necessidade, mas pelo prazer frio de sentir algo — nem que seja o tesão de ser pego. Outros jogam suas vidas em jogos do Tigrinho e de pôquer, como se o azar do dado pudesse preencher a sorte que falta por dentro.

E, no meio desse furacão de vícios e desesperos, vejo a maconha flutuando como uma folha verde no rio. Não é santa, não é demônio. É apenas uma planta medicinal que acalma, distrai e, às vezes, ilumina — mas que, como tudo na vida, pode ser usada para fugir da jornada, em vez de contemplá-la. Comparada aos pervintins, e à lança perfume trazidas pelos militares na ditadura, ou ao crack e à cocaína, que corroem ruas e almas, ou ao álcool, que mata e transforma lares em campos de batalha, ela parece um desvio mais suave, menos nocivo.

No fim, talvez sejam todos viajantes clandestinos, buscando esse estado alterado de consciência para um céu que não existe. O que muda é o mapa: alguns tomam ayahuasca na selva, outros apertam um baseado na janela do apartamento. Porém, a pergunta que nunca cala não é sobre a substância, mas sobre vocês mesmos: para onde querem fugir? Ou melhor, que parte de vocês ainda não conseguem encarar de frente, sob a luz crua do dia?

A Terra já não é a mesma, mas o homem — ah, o homem! — continua a mesma criança assustada, acendendo fogueiras na escuridão, tentando encontrar sentido na fumaça. Eu sei. Eu sempre estive aqui. Eu vi.

Eloy Figueiredo 





quinta-feira, março 06, 2025

Sombras no Quintal

O Peso


Morro da Lagoa da Conceição – Agosto de 2003



— Alô, Jesus? Aqui é a Heliana. Escuta bem o que eu vou te falar: o Victor não é teu filho. O Victor é filho do teu pai!

A frase caiu como um trovão. Jesus ficou em choque, sentindo as bases de sua vida desmoronarem.

Lembrou-se, como se fosse ontem, de uma noite na década de 70. Voltava para casa bêbado, como de costume, no último ônibus da linha Vila Cecília/Viamão. Mas aquela noite era diferente. Não brincava, falava ou ria como geralmente fazia. Estava calado, absorto em pensamentos.

O ônibus não estava cheio, mas quase todas as poltronas estavam ocupadas. Ele se sentou logo após a catraca. De repente, risadas e gritos vieram do fundo do veículo. Um grupo de jovens o chamava de “corno”, debochando sem pudor. Ele fingiu que não era com ele, fechou os olhos e tentou parecer que dormia.

Quando desceu no ponto, ouviu novamente:

Corno!

Mais risadas.

O sangue ferveu, mas ele pensou: Capaz que sou corno! Minha mulher, a Heliana, é super caprichosa, cuida tão bem das nossas duas filhas, da casa. Nunca sai de casa. Isso nunca poderia acontecer. E o meu pai... Passa o dia lá, plantando no quintal... Só não lembro exatamente o que ele planta.

Os dias passaram, mas as provocações martelavam sua cabeça. Incapaz de ignorá-las, Jesus contou a Heliana o que aconteceu no ônibus. Assim que terminou, ela empalideceu e disse, quase em pânico:

Nós vamos embora daqui!

Heliana entrou em contato com o tio Tobias, que tinha um caminhão de mudanças. Em poucos dias, a família se mudou para a casa dos pais dela.

O novo lar era precário. Uma das paredes estava inacabada, aberta para o céu. O pai de Heliana, Seu Noé, improvisou um quarto para eles, fechando parte de sua oficina de ferreiro. Passava os dias entre a marreta, ferros em braza a bigorna e a cachaça.

Heliana odiava o pai profundamente. Quando ele bebia e brigava com a mãe, ela o enfrentava com unhas — e até cuspidas. Era uma relação marcada pelo rancor e pelo ódio ao pai alcoólatra, a mesma enfermidade que acometia Jesus.

Certo dia, ele ouviu Heliana conversando com a mãe:

Estou grávida de novo.

A mãe, resignada, respondeu:

Onde comem dois, comem três.

Jesus ficou inquieto. Grávida? Como? Ela sempre exige camisinha. Só se rompeu...

Meses depois, Victor nasceu. Quando o menino já estava maior, a família foi à pracinha em frente à igreja Nossa Senhora do Trabalho. Enquanto Victor brincava no balanço, Heliana comentou:

Já notou que filhos de pais bem mais velhos que as mães são muito mais bonitos?

Jesus ficou desconcertado. Ela acha que nosso filho não é bonito?

Além disso, Heliana repetia como um mantra:

— Só as mães sabem de quem são os filhos. Os pais nunca têm certeza.

O comentário reverberava em sua mente, mas ele engolia tudo em silêncio. Muitos anos se passaram.

Então, seis anos após a separação, veio a ligação.

Alô, Jesus? Aqui é a Heliana. Escuta bem o que eu vou te falar: o Victor não é teu filho. O Victor é filho do teu pai!

O chão sumiu. Em segundos, sua mente revisitava todas as noites voltando bêbado, as manhãs evitando cruzar com o pai no quintal. Como uma sombra, ele sempre estava lá, capinando. Havia acabado de se aposentar da Marinha. Tinha cinquenta e poucos anos, nunca bebeu, nunca fumou, era bem jovem para a idade que tinha.

Agora fazia sentido. As risadas no ônibus. Os comentários de Heliana. Tudo.

O filho que ele tanto amava — o único homem entre as três meninas — não era seu. Era de seu pai.

Num instante, Jesus perdeu um filho e um pai. Pensou em matar o velho que tanto admirava, o pai que o inspirara com histórias de marinheiro e aventuras pelo mundo. Jesus também sonhara em ser marinheiro, mas Heliana engravidara antes que ele pudesse realizar esse sonho. Agora, tudo estava destruído.

Desesperado e chorando, vagou pelo centro de Florianópolis, pensando em tirar a própria vida ou acabar com a de Heliana e de seu pai. Foi quando, por acaso, entrou em uma farmácia homeopática. A farmacêutica, percebendo seu estado, pegou suas mãos e perguntou:

O que está acontecendo?

Chorando, Jesus desabafou todo o sofrimento. A mulher ouviu em silêncio. Quando ele terminou, ela disse:

Meu filho, esse peso não é teu. Solta ele agora. Esse peso é deles, do teu pai e da tua ex-mulher.

As palavras foram como um milagre. Jesus sentiu um alívio inesperado. Era verdade: aquele peso não era dele...



domingo, março 17, 2024

Gaudério

 

Foto arquivo Eloy Figueiredo 

Quando via um gaudério sem rumo,

pensava: por que andará assim,

perdido nesses pagos,

como um cusco sem dono?

Eles apeiam do baio,

procuram uma sombra tranquila,

amarram o cavalo e, só então,

se achegam ao bolicho.

Batendo na aba do chapéu, gritam:

"Ó de casa, posso me achegar?"

Essa é a senha do cheiro

do mate amargo que sentem no ar.

Queimados de sol,

com a pele seca como cobra

lagarteando nas manhãs,

falam pouco

quase sempre só para se apresentar:

"Sou de Palmeira das Missões,

mas toco boiada

pelas bandas do Uruguai."

Quando encontram uma chinoca

nos fandangos da vida,

uma coisa é certa:

não deixam que toquem suas cabeças.

Receiam sentir-se como um Pierrô abandonado,

abanando o rabo na solidão.

Vai, gaudério!

Foge do teu destino,

cavalgando nas noites de vento minuano,

sob um céu coberto de estrelas.

Se o destino chegar primeiro,

que ninguém saiba o que aconteceu,

nem por onde andou

este pobre desgarrado.



domingo, agosto 13, 2023

APAGAMENTO

Jesus me disse que acordou assustado, com uma dor de cabeça insuportável e louco de sede em um lugar horrível, escuro, iluminado por uma lâmpada muito fraca, esfumaçado e fedorento. Viu que havia outros homens, aparentemente mendigos, maltrapilhos e desgraçados. Aos poucos, percebeu que estava em uma cela de um presídio. Não conseguia compreender nada, tudo era confuso.


Ficou quieto em um canto, desejando loucamente um cigarro, mas não queria pedir. Supôs que os homens presos ali eram ladrões, assassinos, traficantes, ou que estavam ali pela lei Maria da Penha. Pela maneira que eles falavam entre si eram bandidos de longa data, acostumados com a ida e vinda no presídio, já que tinham tatuagens e trejeitos de quem já conhece o ambiente. Uns tinham o olhar frio, distante. Outros encaravam diretamente, sem expressão ou com um olhar de ódio. Tentou forçar a memória e lembrar porque havia sido preso. Lembrou que tudo tinha acontecido na sexta-feira pois recebeu seu salário semanal. Lembrou que foi pro bar e gastou todo seu dinheiro em cerveja. Ficou sentado ali no chão, no piso frio e sujo, próximo do que chamavam de 'boi'. Um cheiro insuportável dificultava o esforço mental para recordar o que tinha acontecido.

O sábado passou muito rápido. Nem viu o tempo passar. No domingo à tarde teve coragem para perguntar ao carcereiro se a esposa ou a sogra haviam deixado alguma carteira de cigarros ou qualquer outra coisa para ele. O carcereiro respondeu com uma expressão de nojo, cuspindo no chão:

"Cara, tu matou sua mulher e tua sogra, não lembra?"

Ficou em choque. Não conseguia acreditar no que estava ouvindo. 

Não lembrava de nada. O carcereiro explicou que havia sido preso por tê-las matado a facadas. Ele amava a esposa, ela era a pessoa mais perfeita, íntegra, honesta, trabalhadora... era loucamente apaixonado. A sogra era a bondade toda dentro dela. Uma mulher religiosa, caridosa que atendia todo mundo com muito carinho e tinha os acolhido em sua casa depois que ficou desempregado. 

Jesus não conseguia acreditar. Logo ele que nunca havia feito nada de errado na vida. Um homem bom, trabalhador, honesto, um marido e genro amoroso. Ele não conseguia entender como poderia ter feito algo tão terrível.

Foi levado para uma sala de interrogatório e foi interrogado pela polícia por horas. Ele tentava explicar que não lembrava de nada, mas eles não acreditaram. Os policiais disseram que estava mentindo, tentando encobrir seu crime hediondo. Foi levado para o tribunal e condenado à pena máxima por duplo homicídio, sem a possibilidade de liberdade condicional.

Ele agora está há 10 anos na prisão. Ainda não lembra de nada do que aconteceu naquela noite. Todos os dias ele quer desesperadamente descobrir a verdade. Quer saber se realmente matou a esposa e a sogra. Precisa saber se é um monstro.

quarta-feira, julho 13, 2022

AVANTE


Não te sinta vencido a nenhum vencido

Nem te sinta escravo de outro escravo.

Tremendo de pavor, sinta-se bravo e arremete  mesmo que ferido. 


Proceda como Deus que nunca chora ou como lúcifer que nunca reza. Ou como o Carvalho que com sua grandeza necessita de água mas não implora! 


Tenha a sagacidade de um prego enferrujado que mesmo velho e torto, volta a ser prego.


Não se acovarde como o pavão que encolhe sua penagem ao menor ruído.


Morda, grite, vocifere bravamente, mesmo rolando pelo chão sua cabeça! 


- um dia escutei, gravei e divido com vocês! 



terça-feira, janeiro 03, 2017

Revista Programa

Na imagem registrada pelo fotógrafo — um tradicional lambe-lambe do Chalé da Praça XV, em Porto Alegre — aparecem, da esquerda para a direita: Jorge Fischer Nunes, conhecido pelo provocativo livro o Riso dos Torturados; o ilustrador Paulo Carvalho, também chamado de Jaca; Flávia; João Carlos Bernardo, foi também empresário e dono da marca de biquínis Porta do Sol e Paulo Figueiredo,



Revista Programa: um marco do jornalismo de turismo nos anos 1970

Em 1978, a Editora Intermédio, dos jornalistas Políbio Braga, Ana Amélia Lemos e Ayres Cerutti, publicava a Revista Programa, no 3° andar da galeria chaves, considerada à época a melhor revista de turismo do Brasil. A publicação reunia uma equipe criativa e ousada, marcada por talentos que mais tarde ocupariam posições de destaque em diversas áreas da comunicação e da cultura.

Na imagem registrada pelo fotógrafo — um tradicional lambe-lambe do Chalé da Praça XV, em Porto Alegre — aparecem, da esquerda para a direita: Jorge Fischer Nunes, conhecido pelo provocativo livro o Riso dos Torturados; o ilustrador Paulo Carvalho, também chamado de Jaca; Flávia; João Carlos Bernardo, foi também empresário e dono da marca de biquínis Porta do Sol e Paulo Figueiredo, então editor e mais tarde um dos nomes à frente da Zero Hora; e Eloy Figueiredo, um dos integrantes da equipe.




segunda-feira, outubro 03, 2016

Hot Show

ELOY FIGUEIREDO e as máquinas 


Dupla Jornada.
Hot Show, minha loja na Rua Augusto Pestana, 54, em frente ao Pronto Socorro, entre duas funerárias na Avenida Venâncio Aires e Avenida Oswaldo Aranha, no Bom Fim, era um dos pontos mais badalados de Porto Alegre. O ano era 1985, o auge do bairro, onde tudo acontecia. Depois das dez da noite, quando eu ia até a loja para recolher a produção nas sextas, sábados e domingos, a rua ficava lotada de magrinhos e magrinhas do Bonfa – só gente bonita. As gurias, como diziam Kleiton e Kledir, "literalmente estavam tri a fim". Além das máquinas de fliperama, havia duas mesas de sinuca na parte de trás, onde rolavam campeonatos acirrados, com disputas por troféus!





Eloy Figueiredo / Baru Derkin

Sucursal de O Globo em Porto Alegre, 1980 

Baru Derkim, além de um grande repórter fotográfico, adorava desenhar.  

quinta-feira, setembro 29, 2016

Ernesto Meyer Filho/JB


Conheci Mayer Filho, um artista extremamente fascinante, enquanto trabalhava na sucursal do Jornal do Brasil em Florianópolis. Passamos diversas tardes tomando chopp juntos e discutindo animadamente suas teorias sobre a existência de vida em outros planetas, sempre no balcão do Box 32 do mercado público.


Cheque de Ernesto Mayer Filho 

Ernesto Meyer Filho. By Eloy Figueiredo.

terça-feira, outubro 13, 2015

O Globo


A vibrante sucursal do Jornal O Globo, no 2º andar do edifício do Relógio na Rua da Praia esquina com a rua da Ladeira, era um microcosmo da cidade de Porto Alegre. A equipe, formada por jornalistas, fotógrafos e o comercial com Setembrino Machado era composta por pessoas de diferentes origens e experiências, que trabalhavam juntas para produzir um jornalismo de qualidade.

Os fotógrafos Gerson Schirmer, Baru Derkin, Eduardo Guimarães e o Santinho eram responsáveis por registrar os acontecimentos do estado. Schirmer, um dos mais respeitados fotógrafos do Rio Grande do Sul, era conhecido por seu olhar apurado e sensibilidade. Derkin era um especialista em fotojornalismo esportivo e adorava fazer caricaturas, e Guimarães era um mestre em retratar a vida cotidiana dos porto-alegrenses. O Santinho, era um fotógrafo popular que tinha um talento especial para captar o humor e a ironia da vida urbana.

A redação da sucursal era composta por jornalistas experientes e talentosos. O chefe era o Tito Tajes. André Jockman, era um jornalista respeitado por sua integridade e profissionalismo. Paulo Gerson Antunes de Oliveira, o chefe de reportagem, era um jornalista dinâmico e criativo. José Adaltho de Vasconcellos, o repórter especial, era um especialista em política. Félix Valente, o repórter de polícia, era um jornalista corajoso e comprometido. Enio Staub, o repórter de economia, era um jornalista experiente e competente. José Zulian, o repórter de esportes, era um apaixonado pelo futebol. Valci Zucoloto, a repórter, era uma jornalista antenada com as tendências. Higino Barros era  habilidoso e criativo.


Eloy Figueiredo e José Figueiredo

 Figueiredo 
sucursal de Porto Alegre de O Globo

Eloy Figueiredo
André Jockmann na primeira Fenachamp

Eloy Figueiredo
O Globo

Dr. Rogério Marinho, governador Amaral de Souza, Tito Tajes, eu e Setembrino Machado.  




sábado, agosto 22, 2015

editora expressão




       


A Editora Expressão, fundada em 1990, buscava preencher lacunas na cobertura nacional, destacando-se por suas publicações pioneiras no Sul do Brasil. Notavelmente, o Guia de Sustentabilidade, incluindo o premiado Prêmio Expressão de Ecologia desde 1993, reconhecido como o principal do país no setor empresarial, certificado pelo Ministério do Meio Ambiente.


segunda-feira, fevereiro 20, 2012

SOBREVIVI




Quando criei este blog, pensei que não haveria retorno para mim. Apenas quem viveu o que eu vivi pode afirmar com certeza: a vida é linda! A intenção era compartilhar experiências reais, algumas tão surreais que pareciam "viagens", narradas para aqueles que viriam depois de mim.


No entanto, ao descobrir que minha vida continuaria, interrompi as publicações para preservar minha imagem da saga de "Jesus me disse". Guardo relatos para compartilhar com amigos, ex-amigos e aqueles que planejo reencontrar, buscando perdão e evitando ferir qualquer ser novamente. Pessoas que contribuíram para minha jornada terrena, como a trama da TV Cabo, o cachimbo do Acari Amorim, Zuba Coutinho da revista *Expressão*, Olívio Lamas, Carlão do *JB*, o presidente Collor, Ademar Bem Johnson, Zé Netto do *DC*, Gerson Schirmer no Canto da Lagoa, Eduardo Paredes, em uma viagem com Jesus na Lagoa, Marco Cezar da *Mural*, o delegado Eloy, entre outros grandes amigos.


Quem sabe? Talvez uma nova fase mais animada esteja por vir.

25/10/2005





Ilha das Flores
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segunda-feira, dezembro 05, 2011

CARTEIRA DE MOTORISTA.


Não quero, nem de longe, ter a pretensão de pensar que posso comparar o que sinto aos sentimentos de escritores ou compositores. Porém, assemelho-me numa característica dos mesmos, quando escrevem ou falam que precisam dar vida (e sentido) às historias que lhes chegam, prontinhas, esperando para serem compartilhadas. Elas precisam sair, elas pedem para serem colocadas pra fora, pulsam dentro da gente. Isto é o que sinto quando uma historinha chega pedindo para ser mostrada. Vou libertar esta, que já esta há algum tempo pedindo para que outra chegue em seu lugar!
A viagem aconteceu numa sexta-feira 13, em agosto de 1974 - sei o dia e ano, pois foi neste dia que eu tirei minha carteira de habilitação.
Uma das primeiras cidades catarinense que conheci trabalhando foi Joinville. Trabalhava numa edição pioneira de turismo da revista Programa fora de Porto Alegre. Neste ano eu já tinha carro, e dirigia já há alguns anos sem carteira de motorista. As repartições públicas nesta época davam até medo de entrar: eram cabide de empregos dos filhotes da ditadura militar - muito mais corruptos do que agora. Só tinha bandido e gente que só funcionava a base da corrupção. Negava-me a corromper os caras do DETRAN, reacionários, dedos-duros, a maioria bandidos. Não gostava de funcionário públicos, aquilo não cheirava bem.
Bueno, o diretor da revista, ficou sabendo que eu não tinha habilitação e comunicou que só seguiriam com quem estivesse com os documentos pessoais e do carro com tudo em cima. Eu tinha três dias para conseguir minha carteira. Fui pra Canoas onde era mais fácil. Fiz exames da legislação, paguei taxas e guias com tudo andando bem com os argumentos da viagem que eu tanto precisava ir. Imaginem só, a BR 101 neste ano... A maioria dos trechos era de paralelepípedos até Florianópolis, portanto tínhamos que ficar lá por no mínimo 1 mês.
Estava dando tudo certo até chegar a sexta-feira 13 de agosto de 1974. O exame agora era de direção e dentro do carro estava o fiscal de transito com cara de quem comeu e não gostou. “Parar na lomba, seta direita, esquerda, ok!”, anotou ele na papelada que trazia presa numa prancheta. Quando retornamos ao pátio do DETRAN para fazer a ultima prova, a baliza, notei que tinha um carro grande antes do meu (não lembro se era um Sinca ou um Aero, mas o meu era um Fuscão 1500 74 com surdina Kadrom e rodas de talas- largas, zero bala!). Entrei pela direita na baliza e derrubei. O Cara de Quem Comeu e Não Gostou anotou alguma coisa. Fiz a baliza pela esquerda e derrubei novamente. Desci do carro protestando por eles terem fechado a baliza um pouco mais, alegando que os automóveis da frente eram maiores do que o meu Fuscão. Sentenciou o Cara de Quem Comeu e Não Gostou: “Volta em quarenta e cinco dias para outra oportunidade”. E foi se encaminhando para um trailer onde senti que o pedido de grana se daria ali. Fui tentando mostrar a ele o quanto esta carteira era importante pra mim, pra minha mãe, minha esposa, meus filhinhos, o cachorro e tudo mais... Eu precisava da carteira pra já!
Chegamos no trailer. Ele pediu uma Pepsi e eu uma Brahma. Neste momento entra um menino de uns doze anos, engraxate. Ele senta na caixa, virado para o Cara de Quem Comeu e Não Gostou e oferece: “Uma escovadinha ai, moço?”. Ele colocou o pé para o menino escovar e eu aproveitei, tirei todo o dinheiro já separado para corrompê-lo e ofereci para o engraxate: “Te dou todo este dinheiro se tu convencer este fiscal a me dar a minha carteira!” Os olhos do menino brilharam e ele, já começando a chorar, implorou: “Dá a carteira pra ele moço, dá...” Neste momento, o Cara de Quem Comeu e Não Gostou deu a minha carteira! Dei o dinheiro para o engraxate que ficou a mil pelo Brasil e eu também. Acho que até o “cara” ficou emocionado!

quinta-feira, julho 15, 2010

a marca "Jornal do Brasil".


Em 1982, comentava-se na sucursal de O Globo em Porto Alegre que o sonho do Dr. Roberto Marinho era utilizar a marca “Jornal do Brasil” para o noticiário das 20h, pois ele não gostava do nome “Jornal Nacional”. Dizia-se que, todas as noites, após o jornal na TV, ele ligava para a Condessa Pereira Carneiro para desejar-lhe boa noite. Será verdade?

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Guerra no Rio Guaíba.


O lago da Redenção já era pequeno demais para minhas aventuras náuticas, e, além disto, descobri que o seu Zé alugava barcos no rio Guaíba sem nenhuma exigência, então passei olhar as ilhas em frente do bairro Alto da Bronze como terras a serem conquistadas. Só tinha um problema... O dinheiro para o aluguel do barco ali era bem mais caro que os da Redenção.


Eu estava decidido a embarcar numa aventura até a ilha mais próxima e para isto comecei uma pesquisa no Colégio Paula Soares onde estudava, na 4º serie. Foquei um guri que poderia financiar esta empreitada. Notava que ele sempre andava com um bom corte de cabelos, boas roupas e um sorriso que ele não tirava do rosto nem mesmo brabo, via também que as professoras lhe dedicavam total atenção e às vezes ele era buscado de automóvel no colégio. No colégio nós éramos amigos, mas só no colégio. Nunca via ele na rua ou na pracinha com alguma turma de guris, mas ele tinha uma cara boa de gente legal e foi por isto que o convidei para esta primeira aventura, uma conquista da ilha pequena e ele topou na hora. Só tinha um problema: ele era de uma espécie de guri rico e bem cuidado. Depois vim saber que ele era mesmo. Filho único no meio de cinco irmãs mais duas mães. Eu ainda não sabia que as pessoas se separavam. Ele foi o primeiro guri que conheci filho de pais separados. Para começar eu teria que ir até sua casa pedir permissão para seus pais - coisa estranha, eu saia à hora que queria depois das aulas e meus amigos também, imaginava que todo mundo era assim como eu.
No dia combinado fui eu e meu irmão mais novo, Zezinho, até o amplo apartamento no edifico GBOEx, onde ele morava pedir permissão e mentir para ele ir comigo andar de barco na Redenção.
Fui interrogado pela sua madrasta durante vários minutos, ela fazia questão de me mostrar o quanto valia aquele guri e isto quase me fez desistir da aventura no rio e ir com aquele príncipe (cara ele tinha) pra redenção.
Eu falei:
- Eu me responsabilizo por qualquer coisa que poderá vir a acontecer com ele.
Ela então falou:
- Quer dizer se acontecer do André (Jockyman, filho do Sérgio, um dos maiores e melhor jornalista que já conheci) morrer, você vai me dar um outro André?
Aí me dei conta da enorme responsabilidade, pensei:
“Puta que pariu... que fria estou me metendo”.
Depois de meia hora de recomendações, para a minha surpresa e angústia, ela concordou. Agora era eu que não mais queria ir ao rio e sim remar no lago da redenção, mas o André e o meu irmão não quiseram aceitar as mudanças de planos. Já de cara comecei a me preocupar para atravessar as ruas quase pegando ele pelas mãos que ele soltava querendo mostrar rebeldia. Logo eu, que nunca me preocupava com nada até este dia.
Ele e meu irmão iam correndo na frente como cachorrinhos de apartamentos e eu atrás com o coração na mão:
- Cuidado com o bonde, olha os carros, meu Deus!
Quando chegamos para escolher o barco, escolhi o mais largo e com melhor estabilidade, porem ele era pesado e lento, mas sabia que este não viraria.
Notei quando estávamos chegando ao velho Zé que a turma da Rua Demetrio Ribeiro tinha seu próprio barco, e todos estavam soltando rojões na água e fazendo uma enorme algazarra, alguns mergulhando e dando caldinho nos guris menores e os outros em pé dentro do barco mostravam destreza e velocidade no remo.
O André sentou na proa e meu irmão na popa enquanto eu sentei no meio, no lugar dos remos sob protestos dos dois.
Eu já tínha remado um quinhetos metros da margem e vi que entrava água pelas frestas mal calafetadas do barco e por isto já tinha duas latinhas estrategicamente posicionadas para ir tirando a água de dentro. Isto achei normal.
Então... vi a turma da Demetrio Ribeiro se aproximar velozmente em nossa direção, atirando rojões às gargalhadas. Foi quando um dos rojões caiu dentro do nosso barco fazendo ele se estremecer todo, quase rachando suas tabuas velhas e frágeis.
Reconheci o alemão Edson, seu irmão Lauro, o Cadico, e o “traidor” Martelinho, morador da Rua Fernando Machado que estava nos remos rindo e fazendo a maior força. Eu ameacei de quebrar suas caras se eles continuassem. Ai mesmo que eles riam mais e jogavam mais rojões. Pedi que meus marujos:
- Tirem à água do barco, tirem à água...
A água já estava tapando nossos pés e isso me deixava aflito: o que fazer se o barco afundasse com aquele principe dentro dele? Eu daria outro André à madrasta? O suor escorria no meu rosto naquela tensão da guerra de barcos, que mais parecia um filme de piratas com canhões e espadas. Enquanto os piratas liderados por alemão Edson com sua cara de mal e um dente de ouro exposto pelo sorriso cínico, bombardeavam meu navio. E eu dizia: "Continuem tirando a água!", mais aflito do que nunca. Foi então que decidi lutar de frente para proteger o principe André. Me levantei e peguei o meu remo-espada, que serviu para que eu rebatesse as fortes e pesadas balas de canhão. Rebati uma, duas, três, até que o capitão pirata deixasse de sorrir. Mas mesmo com uma pequena vantagem, meu navio era muito fraco e a água, apesar do empenho de meus marujos, já estava nas nossas canelas. Olhei para margem e vi o velho Zé que vinha gritando e remando em nossa defesa da guerra. Os meus tripulantes estavam paralisados de medo, mas, mesmo assim, o André continuava com seu sorriso de Curinga. Foi então que, felizmente, percebemos que a correnteza estava à nosso favor. Percebi que o navio pirata deles estava ficando de lado para o nosso. Apesar de ser mais fraco, o meu navio era maior que o deles e, com isso, empurramos com toda a força o nosso contra o deles. O gigantesco navio pirata vacilou na água, e, logo depois, virou, para nossa felicidade e desespero da turma da Demetrio Ribeiro, que ficaram agarrados ao navio e assustados com os corpos dentro do rio.
Logo me dispersei da minha "viagem" de filme e, aliviado, vi que meus tripulantes marujos estavam salvos. Foi aí que eu vi o velho Zé, que chegou ralhando com eles. Fomos rebocados pelo barco do velho, já que o nosso ficou à deriva com água que já cobria nossas canelas, mas contentes e felizes como todos os vencedores.

Anos depois nos encontramos por acaso, na combatente e vibrante sucursal do Jornal O Globo, no 2º andar do edifício do Relógio na Rua da Praia. Lá trabalhamos juntos por vários anos, eu como representante do Dr. Roberto Marinho, ele na redação e o Zezinho, meu irmão, como motorista e distribuidor do jornal em Porto Alegre.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Doca das Frutas.

Não lembro mais o nome da comunidade que ficava do outro lado da rua Washington Luiz, para quem descia pela Gen. Portinho até a beira do rio Guaíba. Ali morava o velho Zé, um gaúcho calmo e pescador, que também alugava barcos para passeios. Ele estava sempre de bombachas camisa branca aberta e com um cinto largo e uma faca atravessada nas costa, com bainha de prata toda trabalhada, que com ela ficava picando fumo de ramo com um pé no barco e o olhar perdido no horizonte.
Um dia um outro morador um negão forte pra cacete, completamente bêbado se aproximou do velho Zé e deu um violento soco em sua cara. O velho Zé, antes de cair no chão, sacou rapidamente a faca da cintura e num golpe de cima para baixo abriu o peito forte do negão que ficou surpreso com a velocidade do golpe. A coisa mais feia que já tinha visto até aquele dia. O agressor arquejando em pé com um enorme talho no peito que deixava ver seu coração batendo por traz das costelas, e ele com olhos arregalados com aquela reação do velho Zé que além de velhinho era também bem magrinho, mas ligeiro como um raio.

Antes das dragas começarem o aterro onde hoje é o colégio Parobé, a gurizada fazia uma vaquinha na pracinha da Bronze, e ia até as Docas das Frutas, onde os barcos ficavam atracados no porto em frente do Pão dos Pobres, vendendo todos os tipos de frutas que vinha das chácaras pelos lados da Serraria e de Belém Novo. Comprávamos meio cento de bergamota e voltávamos pela beira do rio descascando e colocando as casacas entre os dedos, jogando-as como bumerangues ou helicópteros. Era mais brincadeira do que vontade de comê-las.
Nesta mesma época das bergamotas, as vezes levávamos rojões e íamos jogando dentro do rio para ver espalhar água. Nossa prática era mais ou menos assim: acendíamos os rojões, contávamos até cinco e atirávamos na água.
Um dia o Alfeu errou nas contas e ele explodiu em sua mão, a mão do Alfeu ficou como estas luvas cirúrgicas quando se começa a encher. Parecia um balão. Me parece que ele quebrou vários dedos, não lembro bem...

Mas a história que quero contar mesmo foi da Guerra no Rio Guaíba, entre eu e mais dois contra a turma da Rua Demetrio Ribeiro...

Aguardem...

sexta-feira, dezembro 08, 2006

O Dedo duro.



Para economizar na produção de uma edição de turismo da revista Programa do litoral norte Gaúcho no final da década de 70, seguiram em viagem um repórter, um fotógrafo, o cara do Comercial (Silvino Goulart) e o motorista Arlindo da Brasília da Editora.
Três dias depois da saída desta equipe, toca o telefone numa reunião de pauta de fim de tarde. Atende o editor, coloca o telefone no modo viva-voz, e diz:
- Fala, meu!
- É o Nunes, estou falando aqui de Capão da Canoa.
- Tudo bem com o trabalho de vocês?
- Esta tudo bem sim, terminaremos ainda esta semana o trabalho de campo.
- E daê? O editor já começando a se impacientar com a ladainha.
- Bem, sai daí com a incumbência e a responsabilidade de administrar as despesas de viagem...
- Sim eu sei.
- Quando saímos de Porto Alegre para Tramandaí, o Barão, o Renato e o Arlindo pediram um adiantamento...
- Adiantamento pra que?
- Fomos até o Porto, e eles compraram 50 pila de maconha e agora está acabando, eles querem comprar mais 50, aqui em Capão... O editor fica pensando preocupado e pergunta:
- Mas eles estão fazendo algum tipo de escândalo? Tem risco de vocês serem presos?
- Não, não! Eles são super reservados, só fumam dentro do carro.
- E eles estão trabalhando? Como está o trabalho deles?
- O Barão já fechou as duas capas internas, as páginas centrais, 4 cores, vários anúncios de páginas inteiras e meias páginas. Fechou também com uma construtora de Atlântida, um encarte em papel chambril 4 cores, para circular também dentro das edições normais da Editora. O fotografo já fez todas as fotos inclusive as do comercial e agora estamos seguindo para Torres onde o Barão falou que já fechou com um hoteleiro a quarta capa desta edição...
- Então!!! Dá o dinheiro pra eles, meu!
Desligando o telefone, fala para o diretor administrativo, decidido:
- Demita este dedo-duro na volta!!!

sábado, outubro 21, 2006

GUARDA DE TRÂNSITO

Em 1966 fomos morar na Avenida Prótasio Alves, 5567, no edifício Pioneiro. Confesso que foi um choque já que morávamos no centro (Alto da Bronze) e fomos para um bairro que na época era quase todo mato, dos dois lados, descendo a Prótasio passando para o outro lado da avenida Carlos Gomes, e lá não existia nada. Petrópolis era até o fim da linha do Bonde, que ficava em frente do cine Atlas, então, não sabia muito bem o bairro que morávamos: se era Petrópolis, Vila Jardim, Bom Jesus, Chácara das Pedras ou Paineira. Este último era o nome que eu mais gostava. Em frente deste edifício, os moradores mais jovens se reuniam principalmente nos fim de semana escutar a Rádio Continental, para curtir Elvis, Little Richard, Chuck Berry, Beatles, Rolling Stone, Roberto Carlos, Wanderléia, Jerry Adriani, Os Mutantes e o Renato & Seus Blue Caps, era o nosso primeiros contato com o Rock 'n Roll. Este era o ano da grande transformação planetária, a partir desta década nunca mais o mundo foi o mesmo. Ficávamos ali mostrando nossas roupas “da hora”, botinhas Calhambeque, pulseiras e anéis com os brucutus dos Fuscas, calças boca-de-sino de duas cores e camisas com as golas altíssimas que minha mãe costurava para gurizada. Colocávamos o toca-discos portátil em formato de maletinha com um grande auto-falante na tampa ou o potente rádio portátil do Dinarte Jackes, um dos “magrinhos” do grupo. Aliás, o nome da turma era a Turma dos Magrinhos. Já éramos olhados como:
- Estes cabeludos... todos maconheiros...

Um dia, encontrei perdido o apito do guarda noturno do Pioneiro. O guarda era o seu Albino, um velho e magro gauchão, ex-policial de trânsito que vivia com sua capa azul marinho de lã, cobrindo até os pés, um bigodão amarelado pelos palheiros fumados e um relho de nervo de pênis de cavalo na mão. Eu comecei a brincar com o apito como se fosse um guarda de trânsito, e, nesta mesma hora, passou um Jipe preto-e-branco (quero-quero) da Policia Civil e eu apitei para eles. Eles pararam e foi uma gargalhada geral, todo mundo riu, até quem não estava no grupo. A polícia nesta época era temida, caía sobre o Brasil neste ano nuvens escuras terríveis da Ditadura Militar. Continuamos brincando todos ali e quando menos esperávamos, eles surgiram: um veio a pé por trás e o outro chegou de Jipe com os faróis altos em nossa direção. Automaticamente joguei o apito no chão, eles chegaram com os revolveres na mão gritando e dando pontapés:
- Todo mundo com as mãos na parede, mãos na parede!!!
Enquanto um dava uma geral em todos encostados com as mãos na parede, o outro perguntava quem era o guarda de trânsito. Ninguém dizia nada. Éramos uns oito, com idades que variavam entre 13 e 16 anos. Eles falaram:
- Já que ninguém quer dizer quem estava apitando vai todo mundo preso!
Abriram a porta do camburão atrás e fomos entrando todos. Aí, os menores começaram chorar dizendo para os policiais: "Foi este aqui seu guarda, foi este aqui..." apontando pra mim. Eles ficaram putos e responderam:
- Já que não falaram quando perguntei agora vão todos em cana!
Foi a maior choradeira dos pequenos. Fomos levados presos para a famosa 8º delegacia, tida como torturadora. Sabia-se que o torturador era praticante de luta livre, o Jangada, um cara que pesava mais de 120 kg. Ele perguntou para os guardas que nós prenderam quem era o guarda de trânsito, sentado atrás de uma escrivaninha. Me empurraram para frente daquele monstro com uma cara de mau que me falou segurando uma palmatória:
- Bota este apito na boca e fica apitando até que eu bata nesta mesa para tu parar, se tu parar antes eu não vou bater na mesa, eu vou bater em ti!!! Vai, começa!!!

Magrinho... fui salvo por minha irmã, a Clara, que entrava na delegacia junto com um monte de mães e pais apavorados para nós tirarem de lá. Os guris menores choravam abraçados em seus pais... Depois de tudo explicado eles iam embora um de cada vez, a bomba sobrou pra mim que tomei o maior esculacho do Jangada, e fui o último a sair da delegacia.