Desde que vocês desceram das árvores e começaram a andar sobre duas pernas, carregam uma inquietação na alma: a necessidade de alcançar um "estado alterado de consciência". Querem escapar dos limites da carne, do peso do tempo e da solidão de serem humanos em um universo que se recusa a revelar seus segredos.
Eu vi os primeiros Homo sapiens mastigando raízes alucinógenas sob a luz das fogueiras, dançando até o amanhecer para conversar com deuses invisíveis. Observei os xamãs beberem chás que rasgavam o véu do mundo, trazendo mensagens dos antepassados e dos espíritos da floresta. E vi algo ainda mais sombrio: o êxtase do sangue. No primitivismo, a consciência era alterada também pelo sacrifício no fogo — homens, mulheres, crianças e animais eram oferecidos aos deuses, numa entrega que mesclava terror e transcendência. Em meio a esses rituais, muitas vezes surgia o ópio como uma forma de anestesiar as dores da existência. O sofrimento e a morte se tornavam pontes para outra realidade, um transe violento onde o espírito se despregava do corpo e tocava o desconhecido.
Hoje, trocaram as cavernas por bares iluminados a néon; as ervas sagradas, por drinques amargos; os tambores ancestrais, por raves e playlists do Spotify. Já não imolam corpos nos altares, mas continuam a se destruir — de formas menos ritualizadas, mas igualmente desesperadas.
A modernidade lhes deu conforto, mas não respondeu ao vazio que lateja no peito. Então, seguem navegando em barcos furados: o álcool, a pior de todas as drogas, que queima a garganta como um falso abraço; o cigarro, que afoga em nuvens efêmeras; o sexo e a masturbação, que viram fuga em vez de encontro. Há quem roube não por necessidade, mas pelo prazer frio de sentir algo — nem que seja o tesão de ser pego. Outros jogam suas vidas em jogos do Tigrinho e de pôquer, como se o azar do dado pudesse preencher a sorte que falta por dentro.
E, no meio desse furacão de vícios e desesperos, vejo a maconha flutuando como uma folha verde no rio. Não é santa, não é demônio. É apenas uma planta medicinal que acalma, distrai e, às vezes, ilumina — mas que, como tudo na vida, pode ser usada para fugir da jornada, em vez de contemplá-la. Comparada aos pervintins, e à lança perfume trazidas pelos militares na ditadura, ou ao crack e à cocaína, que corroem ruas e almas, ou ao álcool, que mata e transforma lares em campos de batalha, ela parece um desvio mais suave, menos nocivo.
No fim, talvez sejam todos viajantes clandestinos, buscando esse estado alterado de consciência para um céu que não existe. O que muda é o mapa: alguns tomam ayahuasca na selva, outros apertam um baseado na janela do apartamento. Porém, a pergunta que nunca cala não é sobre a substância, mas sobre vocês mesmos: para onde querem fugir? Ou melhor, que parte de vocês ainda não conseguem encarar de frente, sob a luz crua do dia?
A Terra já não é a mesma, mas o homem — ah, o homem! — continua a mesma criança assustada, acendendo fogueiras na escuridão, tentando encontrar sentido na fumaça. Eu sei. Eu sempre estive aqui. Eu vi.
Um comentário:
Você é louco demais, louco, muito louco, você é louco demais! hahaha
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