Em 1966 fomos morar na Avenida Prótasio Alves, 5567, no edifício Pioneiro. Confesso que foi um choque já que morávamos no centro (Alto da Bronze) e fomos para um bairro que na época era quase todo mato, dos dois lados, descendo a Prótasio passando para o outro lado da avenida Carlos Gomes, e lá não existia nada. Petrópolis era até o fim da linha do Bonde, que ficava em frente do cine Atlas, então, não sabia muito bem o bairro que morávamos: se era Petrópolis, Vila Jardim, Bom Jesus, Chácara das Pedras ou Paineira. Este último era o nome que eu mais gostava. Em frente deste edifício, os moradores mais jovens se reuniam principalmente nos fim de semana escutar a Rádio Continental, para curtir Elvis, Little Richard, Chuck Berry, Beatles, Rolling Stone, Roberto Carlos, Wanderléia, Jerry Adriani, Os Mutantes e o Renato & Seus Blue Caps, era o nosso primeiros contato com o Rock 'n Roll. Este era o ano da grande transformação planetária, a partir desta década nunca mais o mundo foi o mesmo. Ficávamos ali mostrando nossas roupas “da hora”, botinhas Calhambeque, pulseiras e anéis com os brucutus dos Fuscas, calças boca-de-sino de duas cores e camisas com as golas altíssimas que minha mãe costurava para gurizada. Colocávamos o toca-discos portátil em formato de maletinha com um grande auto-falante na tampa ou o potente rádio portátil do Dinarte Jackes, um dos “magrinhos” do grupo. Aliás, o nome da turma era a Turma dos Magrinhos. Já éramos olhados como:
- Estes cabeludos... todos maconheiros...
Um dia, encontrei perdido o apito do guarda noturno do Pioneiro. O guarda era o seu Albino, um velho e magro gauchão, ex-policial de trânsito que vivia com sua capa azul marinho de lã, cobrindo até os pés, um bigodão amarelado pelos palheiros fumados e um relho de nervo de pênis de cavalo na mão. Eu comecei a brincar com o apito como se fosse um guarda de trânsito, e, nesta mesma hora, passou um Jipe preto-e-branco (quero-quero) da Policia Civil e eu apitei para eles. Eles pararam e foi uma gargalhada geral, todo mundo riu, até quem não estava no grupo. A polícia nesta época era temida, caía sobre o Brasil neste ano nuvens escuras terríveis da Ditadura Militar. Continuamos brincando todos ali e quando menos esperávamos, eles surgiram: um veio a pé por trás e o outro chegou de Jipe com os faróis altos em nossa direção. Automaticamente joguei o apito no chão, eles chegaram com os revolveres na mão gritando e dando pontapés:
- Todo mundo com as mãos na parede, mãos na parede!!!
Enquanto um dava uma geral em todos encostados com as mãos na parede, o outro perguntava quem era o guarda de trânsito. Ninguém dizia nada. Éramos uns oito, com idades que variavam entre 13 e 16 anos. Eles falaram:
- Já que ninguém quer dizer quem estava apitando vai todo mundo preso!
Abriram a porta do camburão atrás e fomos entrando todos. Aí, os menores começaram chorar dizendo para os policiais: "Foi este aqui seu guarda, foi este aqui..." apontando pra mim. Eles ficaram putos e responderam:
- Já que não falaram quando perguntei agora vão todos em cana!
Foi a maior choradeira dos pequenos. Fomos levados presos para a famosa 8º delegacia, tida como torturadora. Sabia-se que o torturador era praticante de luta livre, o Jangada, um cara que pesava mais de 120 kg. Ele perguntou para os guardas que nós prenderam quem era o guarda de trânsito, sentado atrás de uma escrivaninha. Me empurraram para frente daquele monstro com uma cara de mau que me falou segurando uma palmatória:
- Bota este apito na boca e fica apitando até que eu bata nesta mesa para tu parar, se tu parar antes eu não vou bater na mesa, eu vou bater em ti!!! Vai, começa!!!
Magrinho... fui salvo por minha irmã, a Clara, que entrava na delegacia junto com um monte de mães e pais apavorados para nós tirarem de lá. Os guris menores choravam abraçados em seus pais... Depois de tudo explicado eles iam embora um de cada vez, a bomba sobrou pra mim que tomei o maior esculacho do Jangada, e fui o último a sair da delegacia.