Encontrei Jesus, acordando numa manhã de sol de inverno, num frio de rachar do mês de agosto. Ele estava acabando de acordar. Mulheres, homens e crianças passavam apressados a caminho de suas compras no Mercado Publico, passavam por ele, ali deitado, tremendo de frio sem prestarem atenção; de quando em quando pombas rompem vôos fazendo rufarem suas asas para em seguida posarem novamente entre os pedrestes. Notei que ele estava com os pés inchados e destapados, barbudo, roupas imundas e estava deitado num banco de cimento, embaixo de uma árvore baixa nativa, enrolado num cobertor azul tipo aqueles usados para embalar móveis em mudanças. Ele olhava para todos os lados, até reconhecer onde estava.
Cheguei mais perto e comprimentei-o: “Bom dia!”.
Ele me olhou desconfiado e nada respondeu, ficou olhando para cima vendo os raios de sol passar por entre as folhas da árvore.
Perguntei: “Quer tomar um gole?” E estendi a garrafa de cachaça quase no fim. Ele sentou no banco, deu um gole e devolveu a garrafa dizendo que estava com uma puta fome, olhava e apontava para barriga para mostrar que dava para ouvir que estava roncando: ela roncou tão alto que começamos a rir, rimos até quase chorar, os dois bêbados dando risadas às nove da manhã de um dia da semana... Quem olhava não entendia!
Curiosamente, também senti muita fome e não estava a fim de beber como em dias anteriores.
Como eu tinha algum dinheiro e estava mais bem vestido que o Jesus, fui até a padaria e pedi dois pães com manteiga e uma média com leite que trouxe dentro de duas garrafinha de água-mineral. Comemos ali sentados vendo as pessoas passarem. Os pombos atraídos pelos pães vieram em revoada, ficando em nossa volta. Foi quando ele me perguntou: “Diz ai gaúcho, o que tu veio fazer aqui, veio passar férias? Perguntou, rindo ironicamente”.
Respondi que tinha voltado para o meu estado natal e que sempre fora esta minha vontade, pois tinha nascido aqui, mas nunca tinha morado. Saí com menos de dois anos e voltei com 37 anos.
Eu precisava falar para alguém que estava recaído, eu não agüentava mais beber, e novamente estava coberto com a lama do fundo do poço. Eu falei:
- Estou recaído já há 2 anos.
Ele não entendeu, ficou me olhando como se eu tivesse dito que estava com alguma doença contagiosa. Eu sou alcoólatra e não consigo ficar no primeiro gole. Ele ficou ainda mais espantado e perguntou. - Como assim, alcoólatra? Eu sorri e disse: “vou te contar, minha história, como tudo começou...”:
Quando tinha uns 17 anos, não conseguia entender como é que os meus amigos podiam beber Vodka, Conhaque, Uísque, Cerveja e Cachaça com Limão, com Underberg, com Bitter, com losna, com mastruz... urgh!
Bom era beber Grapete, Pepis-cola, Guaraná, Minuano-limão, Fanta-uva, fumar umzinho e suco de laranjas, isto sim era bom! Mas álcool... Não sei como conseguiam.
Mas, numa noite, eu estava num Parque de Diversões que havia chegado na Chácara das Pedras, com todos os meus amigos felizes da vida apostando, correndo de estande em estande: uns no estande de tiros ao alvo, tiros nos patinhos coloridos que ficavam passando continuamente e quando eram atingidos caiam para o lado, outros amigos na Roda-Gigante, no Barquinho, dirigindo os autinhos elétricos para estacioná-los na garagem e retira-los de lá, no Chapéu-Mexicano e outros no Carrossel...
E eu, numa barraquinha de jogos de argolas, aquelas, que se você conseguisse argolar o prêmio, levava na hora. Eu mirei minha última argola de três, numa bailarina de gesso, linda, dançando com os braços para cima nas pontas dos pés, joguei, errei, acertei um litro de vermute...
Abri ali mesmo e provei, senti o gosto doce do Vermute e bebi vários goles, pouco tempo depois... Foi incrível! Foi maravilhoso! Tudo se transformou para muito melhor. As luzes, à noite, a música, o céu maravilhosamente estrelado, o néon colorido da Roda-gigante, as meninas no Carrossel com os cavalinhos subindo e descendo. As pessoas além de ficarem mais altas também ficaram lindas, todas sorriam. Pareciam que quando caminhavam seus passos atingiam uns três metros cada em câmera-lenta. Também fiquei assim, me aproximava das meninas, falava qualquer coisa que as deixavam felizes, dava beijinhos em seus pescoçinhos brancos e saia flutuando, toda minha timidez desapareceu, eu declamava, cantava e dançava como se fosse um bailarino no Paraíso, as atenções de todo Parque, pareciam toda voltada pra mim, meus amigos me aplaudiam e eu era o guri mais feliz do mundo!
- Foi então, que compreendi companheiro, - como é mesmo o teu nome ?
- Jesus! Que não era pelo gosto que os meus amigos bebiam, era o “efeito”, efeito maravilhoso que eles sempre buscavam. Mais tarde foi que descobri, que o Álcool é a droga mais poderosa que existe.
Vomitei quase as tripas, naquela noite, e nunca mais consegui beber Vermute sem enjoar.
Vomitei quase as tripas, naquela noite, e nunca mais consegui beber Vermute sem enjoar.