Estive em São Borja no inicio de 1985 e depois em 1987. Na primeira vez, levei dois exilados do grupo Argentino Los Montoneros (um editor e um médico patologista) para atravessarem a fronteira por ali. A cidade de São Borja está localizada na região da campanha do Rio Grande do Sul. Esse município é distinto devido à existência de grandes estâncias onde há a presença do gaúcho típico. Nas rodas de chimarrão, nota-se uma demonstração da famosa hospitalidade gaúcha, onde quase sempre, são contados os “causos” de guerra e de valentia. Fora deste ambiente de galpão, são silenciosos e desconfiados, como é a característica de todo homem fronteiriço.
Dois dos maiores pecuaristas e latifundiários do município são da família Goulart e Vargas, coincidentemente os dois foram presidentes do Brasil. Para percorrer os limites dentro de suas terras, a cavalo ou de carro, levam-se dias. Só sobrevoando por vários minutos sobre suas fazendas que atravessam até três municípios: Uruguaiana, São Borja e São Luis Gonzaga até o Rio Ijui. Do outro lado rio já é de outros latifundiários capitalistas, donos dos cartórios, juizes e como sempre, de deputados e senadores. O Pampa é realmente maravilhoso. É mais ou menos como quando se olha o horizonte no mar, a diferença é que lá é só campo até perder de vista, onde a qualidade das carnes de gado é muito famosa em quase todo mundo: O gado não faz esforço nenhum para subir ou descer, é tudo plano, portanto, suas carnes são macias e sem músculos.
Na fronteira com Argentina, nesta região, não há negros ou até tem uns poucos, mas na Argentina, não existem mais nenhum - eles foram impiedosamente exterminados, os que moram hoje lá, não nasceram no país. Quando começavam as guerras por disputas de terras entre os latifundiários brasileiros e argentinos, eles armavam um circo como se fosse uma guerra de soberania entre os dois países. Formava contingentes de guerra entre a peãozada das fronteiras, louca por uma peleja, esportezinho de guerra para descarregar as baterias, e sempre existia a possibilidade do estupro das gurias puro-sangue argentinas, com a pele clara, cabelos loiros, ancas de potrancas, peitos firmes e mamilos rosados que cruzassem seus caminhos. Isto é o que mais os motivavam, já que eles estavam cansados de só “barranquearem” as éguas e ovelhas, tesãozinhas da fazenda. E, como sempre, os negros que iam à frente das batalhas pelos dois lados, com ordem de não voltarem sem ganharem à guerra. Os feridos ou estropiados que voltavam não tinha perdão, eram passados na “adaga”, não tinham tempo a perder com estes “negros trastes à toa”. Só quando chegava o Exercito Brasileiro, fortemente armado e treinado, é que a gurizada paisana entrava em campo, animada e motivada com a possibilidade sexual.
Outra característica, coisa que me chamou a atenção, foi a profissão de “Patiero”. Era normal até a década 60, eles terem do lado de fora da casa, no pátio, homens fazendo segurança, cuidando das casas como cachorros. Depois dessa década é que eles foram trocados, jogados literalmente para o outro lado da cerca e não puderam voltar nem para cobrarem seus direitos trabalhistas (eles nem sabiam que tinham. E quem sabia, ficava quietinho). E nem se quisessem voltar poderiam, afinal, os guaipecas e pastores alemães por quem foram trocados, não os deixavam se aproximarem. Quando pediam umas sesmarias de terra, um lotezinho para plantarem meia dúzia de aipim, umas folhas de alfaces, milho e feijão, em troca dos anos de guerras e trabalho... eram literalmente corrido da região, com fama de comunistas safados, marcados no lombo.
Buena tchê, contei tudo isto, para chegar ao "causo" principal:
Eu ficava hospedado no Hotel Charrua, que nesta época era do Grupo Ipiranga, fica em frente da praça central. Um dia, antes de vir embora, quis comprar umas lembranças da cidade e fui mais uma vez até a banca de revistas que fica em frente do hotel, no meio da praça, onde eles vendiam entre outras coisas bombas de chimarrão, cuias, facas imitando prata, chaveiros e postais. Fiquei olhando os postais das atrações turísticas, as sepulturas do Getulio Vargas e do Jango Goulart, o cemitério Paraguaio e uma outra, do tumulo da Maria do Carmo, adorada como santa. Eram feios demais como lembrança. Perguntei para o dono da banca se ele tinha alguma sugestão. Ele me falou que tinha os livros 2 e 3 da série “Rapas de Tacho” do escritor são-borjense Apparicio Silva Rillo. Eu disse a ele que conhecia o Apparicio e perguntei se ele estava na cidade, mas ele não sabia. Comecei a folhear o numero 3 e vi que tinha uma dedicatória do autor, que diz: “Causos de São Borja e do Rio Grande, com abraço do autor, Rillo” e a data de 15.11.85 (data da primeira eleição direta, num município considerado área de segurança nacional). Perguntei a ele quanto custava os livros (imaginando que este fosse custar uma fortuna) e ele me disse: - Este aí, que ele estragou escrevendo nele é 15, o outro que está novo é 25 "pila".
Comprei os dois.
Depois, descobri que o Rillo mantinha um escritório junto de uma empresa de contabilidade, no centro de São Borja. Contei a ele o acontecido e demos boas risadas para mais um causo, onde agora, o autor fazia parte.
Autor:
Eloy Figueiredo
História interessante essa de hoje Eloy. Nunca pensei nessa ausência de negros na fronteira com a Argentina, nem sobre a profissão de cães de guarda, nem um monte de coisas que vc menciona... Agora, a história do livro "estragado " pelo autor foi inusitada. rsrsrsrs
ResponderExcluirSabe Eloy, às vezes lendo seus contos dá vontade de ter vivido o que conta, ou ser sua personagem.
ResponderExcluirOs livros por exemplo, era eu quem tinha que ter comprado...
Beijos querido!
Lu
ps: leia no meu blog Amigo? de ontem e o de hoje Sorriso .... você não vai me aguentar pq tô escrevendo todo santo dia. Vamos ver se começando as aulas esse ritmo diminui.
Muito bom, mas muito bom mesmo o blog meu caro Eloy.
ResponderExcluirUm abraço "quebra costela".
Leonel
Parabéns pelo seu blog. È de valor, como diriam na fronteira.
ResponderExcluirGostei de ver lembrado o Silva Rillo, que fez inúmeros registros de causos riograndenses em livro.
Você éum exímio contador de causos.Mesmo com a distãncia do tempo e do lugar faz agente sentir o cheiro e as texturas da história.beijos!
ResponderExcluirclaudia
ps:faz um obséquio?Dê uma olhadinha no blog que comecei,tem um conto começado.
http://clauaguiar.blogspot.com
"...me sentei, pequena, à tua sombra, e encantada, me embriaguei com tuas palavras que surgiam vertiginosas. Elas escapavam caudalosas de tua pena, como se vertessem de tua boca...eu - calada, suspensa em teu universo, temendo que se respirasse, a magia pudesse se desmanchar no ar...Estive com você - oniricamente. Acaso sentiu?"
ResponderExcluirEloy, como um "nascido" em São Borja, fizeste voltar meu pensamento...Praça da Lagoa(brinquei muito), a história dos negros, que não é muito diferente de outros lugares, mas com suas peculiaridades, as quais citou algumas e a História Oficial não registra. Maria do Carmo, cantada em versos e prosas, antes uma prostituta qualquer...E o Apparicio Silva Rillo, conhecedor das palavras, dos versos, das prosas e das músicas...Suas "letras" mostravam e mostram a cara do povo, inclusive da Maria, que era do Carmo, que era dos homens, que virou "santa". Belíssimo, Eloy....Essa terra dos "Presidentes" tem história....rsrsrsrs....E tem negros.
ResponderExcluirPronto! Aprendi a postar só prá dizer que adorei. Matei as saudades dos pampas!
ResponderExcluirBlog dahora !!! Ta afim de linka ?
ResponderExcluirOlá! Primeira vez neste blog após um convite que recebi pelo Orkut. Li alguns textos gostei bastante. Esse causo do livro é fabuloso rs. Volto mais vezes... Mas antes de ir convido a conhecer o meu Blog
ResponderExcluirwww.angeldumal.zip.net
Abraçu du Isac!!!
Gostei Eloy, gosto muito da maneira
ResponderExcluircom que você escreve. Fico só imagi
nando as pessoas e as cenas que você viveu.
Essa de hoje foi demais, pensei que
você ia escrever um causo sobre os
argentinos e de repente...descubro
mais essa sobre a fronteira.
Um grande beijo amigo!!!!
Gostei!Não sabia deste fato de existirem poucos negros na região da fronteira!Gosto mais qd teus "causos" são aqui, me transporto prá aquela época!!Beijão
ResponderExcluirEssa é a primeira vez que visito o seu blog EloY e adorei o Texto do Negro Argentino. O final é muito interessante, é engraçado como as pessoas desvalorizam o trabalho de outras, ou seja, só pq Rillo não é digamos FAMOSO, ele rabiscou o livro... Muito Bom mesmo!!!! Até MAis
ResponderExcluirNo se portugues xD ! me mataste :P
ResponderExcluirtrata de traducirlo a español :P
Eloy gosto muito dos teus "causos", sempre que recebo tuas informações sobre uma nova história, aqui estou saboreando-as, parabéns!
ResponderExcluirPrezado Eloy, incrivel esta história do "livro estragado, nos possuimos uma revista cultural aqui em São Borja intitulada Armazém da Cultura e gostariamos de divulgar este causo, ou quem sabe você contar para os São-borjenses a sua passagem.
ResponderExcluirBom aguardo um contato pelo e-mail jfernandocorrea@yahoo.com.br ou revista@saoborja.tur.br ou no site www.saoborja.tur.br.
Grande abraço no aguardo
Quem disse que nao hs negros na fronteira , isso nao e verdade pois conheco varios naturais da regiao, inclusive os meus parentes.
ResponderExcluirDonde vcs acham que era o Gregorio Fortunato personagem ativa do governo Vargas ? E claro que nao sao milhares como noutras regioes porem existem sim.
Há muita mentira nesses contos regionais. Muita gente querendo se vangloriar sobre os mais jovens e amedrontar quem chega de fora curioso.
ResponderExcluirQuem conta um conto aumenta um ponto. Em 150 anos muitos e muitos pontos foram somados, nessas histórias originalmente não-tão fantásticas assim.